domingo, 27 de novembro de 2011

O EXÍLIO

Em setembro de 1964, com 43 anos, Paulo Freire partiu para a Bolívia levando na bagagem uma trajetória de experiências singulares na alfabetização de adultos, de grande alcance social, que rapidamente conquistaram atenção e respeito por parte de governos, educadores e intelectuais de todo o mundo.
Freire ficou muito pouco tempo na Bolívia, por causa da altitude de La Paz e também pelo golpe de Estado que derrubou o governo de Paz Estensoro. Seguiu para Santiago, no Chile, onde chegou em novembro de 1964. Viveu neste país até abril de 1969, quando foi convidado para lecionar nos Estados Unidos e também para atuar no Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, Suíça. Aceitou os dois convites, permanecendo inicialmente 10 meses em Harvard, onde deu forma definitiva ao livro Ação Cultural para a Liberdade. Nesse período, escreve dois de seus livros mais conhecidos: Educação Como Prática da Liberdade e Pedagogia do Oprimido.

“Para mim, o exílio foi profundamente pedagógico. Quando, exilado, tomei distância do Brasil, comecei a compreender-me e a compreendê-lo melhor."
(Trecho de uma conversa com Frei Betto, extraída do livro Essa escola chamada vida (pp. 56-8) – in Paulo Freire: uma biobibliogfrafia).
“Foi exatamente ficando longe dele, preocupado com ele, que me perguntei sobre ele. E, ao me perguntar sobre ele, me perguntei sobre o que fizeram com outros brasileiros, milhares de brasileiros da geração jovem e da minha geração. Foi tomando distância do que fiz, ao assumir o contexto provisório, que pude melhor compreender o que fiz e pude melhor me preparar para continuar fazendo algo fora do meu contexto e também me preparar para uma eventual volta ao Brasil.”
(Trecho de uma conversa com Frei Betto, extraída do livro Essa escola chamada vida (pp. 56-8) – in Paulo Freire: uma biobibliogfrafia).

Ainda no exílio, entre 1970-1980, após sua transferência para Genebra, assumiu o cargo de consultor do Conselho Mundial das Igrejas. Como conselheiro educacional do Conselho, Paulo Freire ganhou maior dimensão mundial. Ao lado de outros brasileiros exilados, fundou o Instituto de Ação Cultural (IDAC), cujo objetivo era prestar serviços educativos, especialmente aos países do Terceiro Mundo que lutavam por sua independência. Em 1975, Freire e a equipe do IDAC receberam o convite de Mário Cabral, Ministro da Educação da Guiné-Bissau, para colaborarem no desenvolvimento do programa nacional de alfabetização daquele país. A África deu a Paulo Freire e a seus colaboradores o campo prático para experiências pelas quais eles tinham esperado tanto.
Entre 1975 e 1980, Freire trabalhou também em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Angola, ajudando os governos e seus povos a construírem suas nações recém-libertadas do jugo português, através de um trabalho de educação popular. Nesse período genebrino, Paulo Freire “andarilhou” muito por alguns países do continente africano, asiático, europeu, americano e da Oceania, exercendo atividades político-educativas em vários países dos 5 continentes, mas de modo especial na Austrália, Itália, Nicarágua, Ilhas Fiji, Índia, Tanzânia e os países de colonização portuguesa supra-citados.


ATIVIDADES NO EXÍLIO

CHILE (novembro de 1964 a abril de 1969)
- Assessor do Instituto de Desarollo Agropecuário e do Ministério da Educação do Chile.
- Consultor da Unesco junto ao Instituto de Capacitación e Investigación em reforma Agrária do Chile. Neste país escreve Pedagogia do Oprimido que é resultado dos seus cinco primeiros anos de exílio e expressa suas vivências com a educação popular, de conscientização, libertação e justiça social.


ESTADOS UNIDOS (abril de 1969 a fevereiro de 1970)
- Professor convidado da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts, onde dava aulas sobre suas próprias reflexões.

GENEBRA (fevereiro de 1970 a março 1980)
- Consultor do Conselho Mundial das Igrejas - conselheiro educacional de governos do Terceiro Mundo;
- Presidente do Conselho Executivo do IDAC.
Neste período Paulo Freire “andarilhou” pelos continentes africano, asiático e europeu.

ANTES DO EXÍLIO

Paulo Freire vive intensamente seu tempo e o ambiente histórico-político entre a Revolução de 30 e o Golpe Militar de 64. É nesse período que nasce e se consolida a essência de sua obra. Suas pedagogias nascem de suas práticas, da totalidade de suas experiências de vida. Surgem do envolvimento com camponeses e trabalhadores, desde a época de peladas nos campos de futebol de Jaboatão dos Guararapes/PE, passando pelo SESI e pelo engajamento nos movimentos populares, ainda na época do Recife, a partir da metade da década de 1950.
No SESI, como Diretor do Departamento de Educação e Cultura, atuou junto às famílias, com as crianças, as mulheres e também encorajando os trabalhadores a discutir seus problemas, integrando-se efetivamente ao processo histórico, por meio das comunidades.
Paulo Freire foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), onde, ao lado de outros intelectuais e do povo, trabalhou para assegurar a inserção crítica e transformadora das classes oprimidas na sociedade brasileira, a partir da cultura popular. No Centro de Cultura Dona Alegarinha, um círculo de cultura do MCP que discutia os problemas cotidianos na comunidade de Poço da Panela, em Recife, Freire trabalha de forma mais sistemática o que viria a ser chamado de método de alfabetização.
“... era preciso que eu fosse ao contexto de quem ia aprender a ler, para pesquisar o discurso da cotidianidade e de lá retirar o vocabulário a ser utilizado no processo.”(Descrição a Nilcéa Lemos Pelandré, Pelandré, 2002, p. 59.)

Rapidamente seu trabalho começou a se tornar muito conhecido. Surgia ali mais que um método, uma filosofia e um sistema de educação capaz de alfabetizar os cerca de 40 milhões de iletrados do Brasil naquele final da década de 1950.
Dessa forma, suas idéias influenciaram a campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, desenvolvida pelo então prefeito de Nata-RNl, Djalma Maranhão. Ainda no Rio Grande do Norte, desta vez na cidade de Angicos, Freire realiza sua mais marcante experiência na época, desenvolvida entre janeiro e março de 1963, quando 300 trabalhadores rurais são alfabetizados em 45 dias.Convidado pelo então ministro da educação do Governo João Goulart, Paulo de Tarso,o educador Paulo Freire assumiu o cargo de coordenador do recém-criado Programa Nacional de Alfabetização, o qual, utilizando seu método, pretendia alfabetizar 5 milhões de adultos em mais de 20 mil círculos de cultura.
Campanha de Alfabetização, Reformas de Base e as Ligas Camponesas integraram umcenário onde o nacionalismo influenciou a mobilização popular que antecedeu o golpe militar.Criado em janeiro de 1964, o Plano foi extinto pela Ditadura Militar, logo depois do golpe. Paulo Freire foi preso por duas vezes.
A Embaixada da Bolívia foi a única que o aceitou como refugiado político. Em setembro de 1964, Paulo Freire deixa o Brasil rumo ao exílio.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

JUVENTUDE E UNIVERSIDADE

A crise econômica de 1929 produziu reflexos muito acentuados no Nordeste. Em busca de melhores condições de vida, seu pai levou a família para a cidadezinha de Jaboatão dos Guararapes, a 18 km do Recife. Paulo Freire tinha 10 anos de idade. Ali conheceu a dor, com a morte do pai, aos 13 anos, e o sofrimento ao assistir a mãe ter que sustentar sozinha toda a família, convivendo com privações materiais e muitas dificuldades financeiras. 

“Eu acho que uma das coisas melhores que eu tenho feito na minha vida, melhor do que os livros que eu escrevi, foi não deixar morrer o menino que eu não pude ser e o menino que eu fui, em mim.”(Moacir Gadotti, Convite à Leitura de Paulo Freire da Série Pensamento e Ação no Magistério, Mestres da Educação.)

Nos campos de futebol de Jaboatão, ele mantinha contato com a camada mais pobre da cidade, jogando peladas com meninos camponeses e filhos de operários que moravam em morros e brincavam em córregos. Com eles, Paulo Freire descobriu uma forma diferente de pensar e de se expressar – era a linguagem popular, à qual ele sempre privilegiou usando-a mais tarde como educador.



“Eu consegui fazer, Deus sabe como, o primeiro ano de ginásio com 16 anos. Idade com que os meus colegas de geração, cujos pais tinham dinheiro, já estavam entrando na faculdade. Fiz esse primeiro ano de ginásio num desses colégios privados, em Recife; em Jaboatão só havia escola primária. Mas minha mãe não tinha condições de continuar pagando a mensalidade e, então, foi uma verdadeira maratona para conseguir um colégio que me recebesse com uma bolsa de estudos. Finalmente ela encontrou o Colégio Osvaldo Cruz e o dono desse colégio, Aluízio Araújo, que fora antes seminarista, casado com uma senhora extraordinária, a quem eu quero um imenso bem, resolveu atender o pedido de minha mãe.”
(In: Revista Ensaio, nº 14, 1985, p. 5.)


Foi assim que Paulo Freire conseguiu concluir seus estudos secundários. Aos 22 anos, Paulo Freire ingressa na Faculdade de Direito do Recife. Naquela época, o curso de direito era a única alternativa na área de ciências humanas. Nesse período, conheceu a professora primária Elza Maia Costa Oliveira, alfabetizadora, cinco anos mais velha do que ele, com quem se casou em 1944, e teve 5 filhos – Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes.
Ainda nessa época, o mesmo Colégio Oswaldo Cruz que o acolheu como bolsista na adolescência, contratou-o como professor de língua portuguesa.

“Em algum momento, entre os 15 e os 23 anos, descobri o ensino como paixão.”

(Moacir Gadotti, Convite à Leitura de Paulo Freire da Série Pensamento e Ação no Magistério, 
Mestres da Educação.)

Sua “carreira” de advogado resumiu-se a uma única causa:

“Tratava-se de cobrar uma dívida. Depois de conversar com o devedor, um jovem dentista tímido e amedrontado, deixei-o ir em paz. Ele ficou feliz por eu ser advogado, e eu fiquei feliz por deixar de sê-lo.”
(Moacir Gadotti, Paulo Freire: uma biobibliografia, 1996.)

Em 1947, Paulo Freire assume o cargo de Diretor do Setor de Educação do SESI do Recife - Serviço Social da Indústria, onde travou contato com a questão da educação de adultos/trabalhadores e percebeu a necessidade de executar um trabalho direcionado à alfabetização. Estudando as relações entre alunos, mestres e pais de alunos do SESI, Paulo Freire conheceu a realidade dos trabalhadores e as particularidades da sua linguagem. Entendeu que educar era, sobretudo, discutir as condições materiais de vida do trabalhador comum. Dedicou-se a estudar a linguagem do povo, consolidando seus trabalhos em educação popular. Sua primeira experiência como professor universitário foi na Escola de Serviço Social, lecionando Filosofia da Educação.

Doutorou-se em Filosofia e História da Educação em 1959, com a tese ”Educação e Atualidade Brasileira”. No início dos anos 60 engajou-se nos movimentos de educação popular, entre eles o Movimento de Cultura Popular (MCP), a campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler” e a Campanha de Alfabetização de Angicos (alfabetização de 300 trabalhadores rurais em 45 dias), ambas no Rio Grande do Norte, e coordenou o Programa Nacional de Alfabetização, do Governo Goulart.